sexta-feira, abril 26

Livre

 

Digo-me livre, e minto, fingindo que não vejo as grilhetas que me ferem, os laços de seda que apertam como fios de aço. Vou por onde outros querem que vá, deles a escolha, meu o cansaço da jornada, o desatino de ignorar a meta, se é que de facto, como eles juram, se encontra uma ao fim de tantas léguas.
A minha suspeita é de que não há meta nem propósito, só caminho, e o que julgamos vida talvez seja apenas a transumância de um colossal rebanho, a busca fútil de um destino imaginado.



 

quarta-feira, abril 24

Cabeças

 

Cada cabeça tem direito à sua sentença, alturas há em que uma noite mal dormida leva a mudar de ideias, para não falarmos das consequências da azia ou da má digestão duma chanfana. Por
conseguinte, pense cada um como bem deseja, e alegremo-nos de que não nos obriguem a olhar todos para o mesmo lado.
Há, porém, ocasiões em que esta minha indulgência se arrebita, leva a franzir o sobrolho e a perguntar-me se o outro tem de facto a razão que pensa. Vem isto a propósito da afirmação recente de uma das cabeças pensantes deste país sobre como, além de danoso para a economia, o
ensino é supérfluo.
Claro que o recebeu ele, e bom, mas o zé-povinho é melhor que não deixe subir a tontura à cabeça, não se meta em filosofias nem ciências, dispense Bach, desista de querer subir a cimos onde não pertence.
Aprenda ele um ofício e ensine essa humildade aos filhos, lembre-lhes que a cada macaco se destina um galho, e para benefício dos que aprenderam é melhor que os outros fiquem pelo chão.